quinta-feira, 17 de julho de 2014

"Eu" nasci há 100.000 anos atrás...

Desde ontem estou obsessiva por desvendar, através de textos e documentários científicos, o povoamento das Américas. É claro que não consegui, mas estou satisfeita com o que encontrei. Vou compartilhar com vocês minhas angústias!

A teoria mais aceita no senso comum, porém já derrubada, é aquela que você provavelmente também estudou no ensino médio: "os primeiros habitantes do continente americando foram humanos mongolóides de origem asiática que teriam atravessado o estreito de Bering e assim espalharam-se rumo ao sul." -- foi isso que seu professor de História disse, não foi?

Essa teoria foi reforçada por achados de artefatos arqueológicos, como pontas de lança no estilo Clóvis, numa idade de aproximadamente 11.000 anos A.P. (antes do presente).

pontas de lança no estilo Clóvis
do site arqueologiadigital.com
Acontece que pipocaram diversos achados arqueológicos na América do Sul mais antigos que os artefatos Clóvis, o que inviabiliza essa teoria como a explicação mais plausível da chegada dos primeiros seres humanos às Américas, pois, como estariam esses homens na América do Sul milênios antes de se formar a ponte do estreito de Bering?

Hoje é aceito que a América foi povoada por diversas ondas migratórias de diferentes origens em diferentes períodos. Isso explicaria os achados de restos humanos (Monte Verde - Chile), anteriores em pelo menos 1000 anos ao povo Clóvis.

clique na imagem para ver as teorias mais aceitas atualmente.
do site http://www.funpar.ufpr.br/


Pois bem, pararia por aí, se não fossem outros achados arqueológicos inquietantes: 

o sítio arqueológico Toca do Boqueirão da Pedra Furada,
juntamente com mais dois sítios da região,
 contêm os mais antigos vestígios de presença humana nas Américas

No Piauí, a pesquisadora franco-brasileira Dra. Niède Guidon encontrou, em abrigos de pedra, vestígios humanos que comprovadamente datam de 48.000 a 6.000 A.P, ou até 60.000, por extrapolação estratigráfica. 

Há 30 anos essa pesquisadora e sua equipe estudam os achados desta região do Brasil, enfrentando todas as dificuldades materiais que sabemos que enfrentam os pesquisadores brasileiros, especialmente da área de humanas. Se não bastasse a falta de apoio do governo, essa equipe precisa enfrentar também a guerra de interesses dos bastidores do mundo científico. É muito fácil compreender que, como qualquer esfera humana, a Ciência também é uma construção social que sofre as influências do poder político deste ou daquele grupo. Também não é difícil enxergar que um grupo de cientistas americanos detinha "a verdade" sobre a História do Povoamento das Américas e não iria querer "largar o osso" tão facilmente. 

Tanto que hoje ainda existem os "discípulos de Clóvis", os quais negam até mesmo as mais bem aceitas teorias do povoamento do continente americano... imagine então se eles iriam dar o braço a torcer para achados arqueológios de um país subdesenvolvido, em um estado economicamente pobre como o Piauí! Imagina se eles iriam deixar que o berço do homem americano fosse aqui, no terceiro mundo e distante de sua influência?! É normal que os cientistas lancem contra-argumentos e indaguem novas teorias, faz parte do metiê. Mas às vezes essa prática ultrapassa o interesse puramente científico e vira interesse pessoal.

Infelizmente é difícil aceitar essa realidade, mas a Ciência não é feita de intenções neutras e é um lugar onde existem muitos fundamentalistas que acreditam possuir a única verdade. Como falou o filósofo Robert Wilson, a Ciência é a nova Inquisição. 

"o beijo" pintura rupestre da tradição Nordeste
foto: Adri Felden

Voltando ao Piauí, mais especificamente à Serra da Capivara, onde foram achadas secções contínuas de povoamento, através de vestígios humanos datáveis -- carvão de fogueiras, conjutamente com peças líticas -- encontra-se também uma farta coleção de pinturas rupestres com vários estilos e de diferentes períodos. 

Projetil de cristal de quartzo do tipo Rabo de Peixe de 8000 anos - Coletado na Toca do Pica-pau - Museu do Homem Americano - P

O mais intrigante é que essas pinturas recuam no mínimo 12.000 anos no tempo, estando entre as mais antigas do mundo! Ou seja, há pelo menos 12.000 anos existiam populações por aqui que possuíam uma elaborada técnica de pintura.

Mas espere! Quem eram esses povos que habitavam essa região do Nordeste brasileiro? Seriam eles descendentes das etnias mongolóides que há pelo menos 18.000 anos colonizaram a costa oeste do continente americano? Poderia ser...

foto encontrada em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000100012

Porém, Guidon defende que as populações que aqui estavam nessa época eram de etnia australo-negróide. Segundo ela, "eram homo Sapiens arcaicos e vinham diretamente da África. Não se trata de descartar a teoria da migração humana através de Beríngia de uns 14.000 anos atrás, senão de complementá-la com outras teorias. É impensável que o continente americano, com uma extensão de milhares de quilômetros de norte a sul, tenha sido colonizado só pelo norte. [...] Alguns deles se dirigiram em direção a Ásia e Europa, enquanto outros, provavelmente pescadores, foram arrastados pelas correntes e chegaram a América do Sul, empurrados pelos ventos alísios."

Mulher aborígene australiana Gillot - 1890
do site www.gravuras-antigas.com

Reforçando essa teoria, um fóssil de um patógeno de 7.750 anos A.P. que não sobrevive a temperaturas frias, foi encontrado na região da Serra da Capivara. Isso quer dizer que quem carregava este patógeno não poderia ter passado por um local com clima frio, como gelado Estreito de Bering; a maior probabilidade é que tenha vindo de locais mais quentes, como a África. 

E mais: Niède Guidon sugere que os grupos asiáticos que aqui chegaram, encontraram o grupo negróide, que em menor número, foi suplantado e -- por que não -- miscigenaram-se. 

Há também a hipótese de que grupos mais antigos seriam os responsáveis pelas pinturas de tradição Nordeste enquanto outros grupos posteriores responsáveis pelas pinturas de tradição Agreste, que muitas vezes eram feitas em cima dos registros da primeira tradição.

tradição Nordeste - fumdham.org.br


tradição Agreste - fumdham.org.br

Se me permitem "viajar" um pouco, acredito que os povos responsáveis pela tradição Nordeste -- mais sofisticadas -- seriam os de etnia australo-negróide, enquanto a tradição Agreste teria sido introduzida pelas etnias asiáticas que aqui chegaram posteriormente. Mas tudo isso é discutível, claro.


Está surpreso? Também fiquei, quando aprendi tudo isso em minhas saudosas aulas de arqueologia na graduação. Mas ontem, fiquei ainda mais surpresa quando li que os últimos achados da Dra. Niede Guídon e sua equipe apontam para 100.000 anos de ocupação humana nessa região do Brasil. E mais: os povos que teriam migrado para cá, seriam nossos ancestrais Homo Erectus, os quais teriam navegado através do oceano Atlântico. É realmente uma grande quebra de paradigmas, porém muito plausível, sendo que hoje já existem evidências que o Homo Erectus já conhecia as técnicas de navegação.




reconstrução do Homo Florensis. Viveu aproximadamente entre 18 e 13 mil anos durante o período do Pleistoceno na Indonésia.
http://cienciahoje.uol.com.br



Agora estou esperando ansiosamente as publicações sobre esse novo estudo, pois até onde eu sei, nada foi publicado oficialmente (veja o vídeo)


Acho que as descobertas da Serra da Capivara deveriam despertar maior interesse, ou pelo menos curiosidade, em estudiosos do tema. Achar um documentário sobre o assunto, por exemplo, é muito difícil! Agora, pesquise sobre qualquer outro tema relacionado, e você vai achar de tudo! =/

=D

Atenção: esta postagem reflete minha opinião sobre um tema que gosto muito, como pode ser percebido é um texto informal. Mesmo assim, faço questão de colocar aqui as referências de minhas afirmações e sugiro fortemente para quem tiver dúvidas, leia pelo menos os três primeiros textos.



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