sábado, 13 de julho de 2019

Neoxamanismo e apropriação cultural

A apropriação cultural contra os povos indígenas vai muito além de vestir um cocar, uma tanga e pintar a cara no Carnaval. Isso é obviamente ridículo. Existem outras formas de ajudar a matar uma cultura, muito mais sutis e revestidas de ações contra-cultura, porém são apenas mais uma faceta do velho colonialismo, romantizando o índio com o ideal do "bom e nobre selvagem" e transformando partes de sua cultura em produto, o que acaba atingindo as próprias comunidades. 


Desconheço a autoria da arte. Encontrei num dos únicos sites pagãos brasileiros que vi discutindo esta questão. Acesse aqui

Ao longo de mais de uma década que eu me dedico a espiritualidade animista ligada aos ciclos da natureza*, tenho visto as pessoas se aproximarem do Neo xamanismo levadas principalmente por dois interesses: as plantas de poder  e animais de poder ou Totens. 

É legítimo que as pessoas se sintam atraídas pelos conhecimentos e experiências espirituais dos povos originários ao redor do planeta. O que não é bom, é a apropriação cultural que se fez disso, por muitas pessoas que se dizem xamanistas ou até xamãs. Os povos indígenas do mundo já sofreram bastante com o genocídio e etnocídio, para verem o que conseguiram salvar de suas tradições sendo roubadas pelo mundo branco, pasteurizadas e praticadas de forma utilitarista, individualista e via de regra comercial. 

E não me levem a mal, eu estou numa situação complicada para falar disso. 1. Não sou indígena. 2. Sou antropóloga 3. Segui o Neo xamanismo durante muito tempo.

1. Não sou indígena, no máximo sou indiodescendente, mas isso não me dá o direito de falar sobre uma questão deles. Porém, recentemente percebi vozes dos povos indígenas se levantando contra essa apropriação cultural e não vejo isso ser muito discutido (em português) no meio da espiritualidade pagã e neoxamânica, o que me inquieta. Se você se interessou pelos sistemas espirituais indígenas, você deveria no mínimo se importar com o que eles clamam. Você pode conferir algumas das discussões neste linknesteneste e neste É importante conhecer.


2. Sou bacharel em Antropologia, e por isso mesmo eu sei que essa ciência nasceu à serviço do colonialismo, totalmente contaminada de uma visão eurocêntrica. Então, nem tudo que você leu sobre povo tal num texto antropológico corresponde à realidade. O Totemismo, por exemplo, é uma teoria debatida por famosos pensadores como Durkheim, Freud e Levi-Strauss. Isso não significa que o Totemismo exista, ou tenha existido, da maneira que eles propõe, na vida real. Mas é fácil cair nessa cilada, pois afinal, "a ciência é imparcial" #sóquenão


3. Segui o Neoxamanismo durante muito tempo. Mas um dia eu acordei pra realidade que não importa o quanto eu busque trilhar o "caminho original" , beber na fonte "pura" de algum neoxamã que aprendeu diretamente com o pajé, ou até num livro do Carlos Castaneda (ah, pára!). Eu NUNCA vou ser iniciada nos mistérios espirituais daquele ou daquele outro povo, pelo simples fato, primeiramente, de que eu NÃO ESTOU INSERIDA EM SEU CONTEXTO SOCIAL. 



Passar 1 ano recluso nas profundezas da floresta se preparando para se tornar um/a líder espiritual (pajé, curandeiro, qual seja o título em cada povo), seguindo tradições milenares passadas de geração em geração, é diferente de fazer um curso de uma semana como "facilitador" ou "terapeuta" xamânico. 


Porém ambos administram Ayahuasca, ambos fazem a cerimônia da chanupa, ambos realizam o Temazcal, confeccionam rapé... E por aí vai o vocabulário xamânico, até perder de vista. 



"Ah Luiza, você está insinuando que os facilitadores xamânicos e correlatos são impostores"?


Não necessariamente. Ambos podem curar! (a eficácia simbólica ainda é uma ótima teoria nesse caso). Mas por que, pra começar, nós não EXPANDIMOS nosso vocabulário? Explico:



Por que ao invés de divulgar seu evento (muitas vezes pago) como "um ritual ancestral do povo X", não temos a honestidade e respeito em deixar claro que aquilo é uma versão, uma inspiração ou (como chamam?) uma "canalização" de um sistema espiritual muito mais complexo do que aquilo que está sendo apresentado por nós "brancos"?


Não é muito difícil. É uma questão de honestidade e de honrar os povos detentores dessas tradições. Mas infelizmente muita gente não quer mudar, o marketing em cima de palavras como "Temazcal" é muito maior do que, por exemplo "tenda de purificação".



Só um adendo aqui. A discussão em torno do uso das plantas de poder fora do contexto nativo carece de um debate mais profundo, por, além de tudo, envolver aspectos Legais e de saúde. 


Esse texto não pretende esgotar o assunto nem substituir as falas dos próprios povos originários. É apenas uma provocação para refletirmos sobre o que está sendo reproduzido por nós. 

Pará mim não está sendo fácil ressignificar anos de dedicação. Mas nada foi em vão e sou imensamente grata a tudo que aprendi e às pessoas que me ensinaram. Eu sempre fui e sou Falcão Marrom. Porém hoje sei que o falcão não é meu totem, tampouco animal de poder - infelizmente eu não nasci entre os Anishinaabe para encontrar meu "spirit animal". No entanto, eu sei dentro de mim o que é real, e sei que o falcão é meu aliado. Eu posso sentir a conexão e pasmem, eu não preciso chamar de "totem" ou qualquer vocabulário de praxe para fazer sentido. Na falta de um coletivo que possa me guiar, eu posso e vou andar com minhas próprias pernas.

Também estou ciente que vai ter muita gente se sentindo ofendida (não é minha intenção perder meu precioso tempo ofendendo ninguém). É sempre melhor sermos verdadeiros com aquilo que acreditamos, eu não me intimido com haters. 

Li um pataxó dizendo algo muito interessante do qual deveríamos tirar uma lição:

“O Toré é do norte, não é nosso”. Alguns, a exemplo do pajé Manoel Santana, reagem, muito negativamente, à possibilidade de admissão dessa prática, sob o argumento de que “não pode copiar isso aí, não, que não é nosso, quando o pessoal do norte chegar, nós vamos passar vergonha e não pode cantar isso lá. Cada um representa o que é seu. Representar o que é dos outros?”.
(fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Patax%C3%B3)

E esse é só o começo de meu caminho de libertação.



*animista, por falta de termo melhor, refere-se a uma cosmovisão que acredita que tudo é dotado de espírito.

terça-feira, 26 de junho de 2018

{DIY} {como fazer} wrap sling rígido de sacaria

Eu vou dar a dica aqui como fazer um Sling de sacaria.


Mais um dia slingando

Mas é tão fácil que antes vou falar brevemente pra que serve um Sling e o que é um wrap sling rígido. Se você já sabe, pula lá pro tutorial.

Já ouviu falar em exterogestação? Não? Bem, este é um assunto muito importante para as mamães e toda família de um bebê humano, que eu gostaria de trarar com mais atenção em outra postagem. Mas resumidamente, é uma teoria levantada pelo antropólogo Montagu em seu livro "Tocar: o significado humano da pele". Montagu defende que em um período de 3 a 9 meses desde o nascimento (ou até o bebê engatinhar com eficiência), o bebê tem a necessidade física e emocional de ser "gestado fora do útero" devido a sua imaturidade fisiológica e completa dependência da mãe para sobreviver. É muito mais que isso, mas esta frase na imagem resume bem:


Como o Sling entra nessa história?
 O Sling é um auxiliador de colo. Com o carregador, a mãe, pai ou cuidador, consegue ter as mãos livres e manter o bebê perto de seu calor humano, sentindo o cheiro e escutando os batimentos cardíacos da pessoa, alem de seu corpinho ficar contido no pano. Isso tem o poder de acalmar o filhote humano, transportando ele ou ela para uma atmosfera mais próxima à uterina, através dessas sensações.

Alguns conhecidos benefícios do Sling:
Ajuda com as cólicas;
Acalma o bebê;
Permite que o/a cuidador/a fique com as mãos livres para outras atividades;
Ajuda a carregar.

Tecido rígido ou malha elástica? Vai depender da necessidade de cada uma. Eu escolhi o tecido rígido porque, apesar de ser um pouco mais difícil ajustar quando somos iniciantes, ele sustenta melhor crianças acima de 8kg.

TUTORIAL
1.Compre 5m de sacaria (tecido de algodão para pano de prato)
2.Corte em partes de 5mx60cm (o meu pano deu 3 slings dessa medida)
3.Faça a barra ou deixe os fiapos. Se deixar sem barra, tome cuidado para os fiapos soltos não machucar o bebê
4.Opcionalmente pode tingir. Lembre-se de usar tintas atóxicas. Neste tutorial dou umas dicas de como tingir com beterraba.
5. "Dome" o tecido. Para amaciar deixe de molho na água com vinagre uma noite. Não passe o sling. Pode dormir em cima dele e guardar torcido para amaciar mais. Quanto mais usado, mais macio.

~bom carregar!

domingo, 10 de junho de 2018

Tingimento natural {DIY}

a foto não ajudou muito, mas vai dar pra ver a cor melhor em fotos abaixo

Amo as cores, o cheiro e o toque do algodão tingido com pigmentos naturais... já disse isso? Se eu pudesse, só vestia roupas assim. Ainda alcançarei esta meta! Kkk

Foto retirada do site https://yumuniverse.com/natural-dye-fabric/ de onde aprendi muita informação sobre tingimento natural.

Minha primeira experiência foi com a beterraba  que deixa um tom que eu chamaria de rosa—claro—terroso:

Mais uma vez um antes/depois. Mas este depois é também depois de algumas lavagens!

Usei farinha de beterraba pra ver se daria alguma diferença, mas não deu, se você usar beterrabas na quantidade certa, dá no mesmo.

As quantidades que usei foram aplicadas em um tecido de 5mx60cm, um Wrap Sling que fiz pra carregar minha filha (veja o DIY dele). Adapte as quantidades da receita para a área de tecido a ser tingido.

Você vai precisar de:
•panela grande
•colher de pau
•cristais de pedra hume
•farinha de beterraba (ou a água das beterrabas cozidas).

#1 ferva meia panela de água (mais ou menos água vai depender do tamanho da panela e o volume do tecido. O cuidado é que não transborde). Adicione 1 copo americano de farinha de beterraba e mexa até ficar homogêneo.
#1 corte 3 beterrabas em cubos. Deixe ferver até os cubos perderem a cor. Coe e passe a água para uma panela maior. 

#2 acrescente 1 colher de sopa cheia de cristais de pedra hume e dissolva. 

#3 desligue o fogo e coloque o tecido. Deixe descansar até o dia seguinte.

#4 enxágue na água morna (chuveiro) até que o enxágue saia sem cor.

#5 seque em local ventilado na sombra. 

PS: Se você quiser manter a cor, sempre seque na sombra.
PS: algumas receitas usam vinagre ou sal de cozinha como fixador, mas eu preferi seguir a experiência da pessoa deste site.



quarta-feira, 11 de abril de 2018

{relato de parto} Diana chegou!

Nascimento de Diana

fotos por Via Lua - registros de vida e arte


DPP: 06/04
DN: 30/03
[IG 39 semanas]
[Capurro 37 semanas]
[3,105 kg / 50cm]
[apgar 10/10]
[lasceração 0]
[Salvador-BA]
[Parto Domiciliar Assistido pela equipe Sobreparto]
[Doulagem Lia Sfoggia]


Eu nunca imaginei estar escrevendo isso no meu blog, pois ter filhos não esteva entre meus planos de vida.
Mas ela veio por vontade própria, se instalou, cresceu dentro de mim e cá chegou ao mundo, na hora dela, no momento perfeito, sábia, divina e brilhante, Diana!
Numa sexta-feira santa, primeiro dia da Lua Cheia, 30/03, 18:48, muito auspiciosa essa filha de bruxa! =)

Tive uma gestação saudável, apenas repouso no segundo trimestre devido à um sangramento e risco de placenta baixa, que "subiu" com o crescimento do útero.

Relato abaixo todo nosso itinerário, porque tivemos que sair de Parnaíba e porque acabamis por optar por um parto domiciliar assistido. Quem tiver curiosidade só pelo dia do parto, pula pro último tópico!

CPN em Parnaíba: nosso 1o plano caiu por terra.
Moramos em Parnaíba, uma cidade litorânea do Piauí. Desde o começo da gravidez eu e meu marido nos "empoderamos" com informações sobre Parto Natural e projetamos que o parto seria na Casa de Parto Normal (CPN) que estava para ser inaugurada antes da minha DPP. Apesar de poucos leitos na CPN (5 apenas, para uma cidade de 250mil habitantes que recebe demanda de outras cidades do PI, CE a MA), estávamos felizes e confiantes no local e na equipe que parecia muito simpática a noção da humanização do parto. Porém, lá pras 27 semanas de gestação nossa confiança caiu por terra: a inauguração da CPN parecia cada vez mais distante e por isso fomos visitar o Hospital (SUS) referência em humanização na cidade, e lá fomos recebidos com muita presteza, mas com "novidades" que nos desanimaram. O Hospital não receberia Plano de Parto (dependeria do "humor" do enfermeiro de plantão -- a justificativa foi que o Hospital ainda estava passando pelo processo de humanização) e Episiotomia ainda é procedimento de rotina por lá -- um "pique" para ajudar o bebê passar caso fique mais de 15min no expulsivo -- algo totalmente desnecessário e ultrapassado, violência obstétrica, mas que no Hospital ainda era comum, pelo modo que a enfermeira obstétrica nos relatou.
Pensamos em outros planos, outros hospitais da cidade, mas quando descobrimos que um médico referência em humanização na cidade ainda fazia manobra de Kristeller e se recusa a assistir o parto em outras posições além da ginecológica (que é a menos favorável para fisiologia do parto, mas a mais cômoda para os médicos), meu mundo caiu. Eu só queria chorar e fugir desesperadamente dali... infelizmente não havia opção: ou era ir pra outra cidade, ou encarar uma grande chance de sofrer violência obstétrica durante o parto.


Um novo horizonte: parto domiciliar (PD) como necessidade
Eu sempre achei o lance do PD muito bacana, mas na minha cabeça era um "luxo", um troço legal, mas que não era essencial. Porém quando senti na pele o despreparo do nosso sistema de saúde pública (o sistema particular ainda mais terrível) para lidar com o parto respeitoso e responsável, percebi que o parto domiciliar assistido não era mais um acessório: era uma necessidade.
Como confiar a minha vida e a vida de minha filha a um sistema no qual a mulher é olhada não como um indivíduo com necessidades próprias, mas como um número, uma probabilidade, um corpo ocupando um leito que precisa rapidamente ser desocupado??? Um corpo cuidado por profissionais em sua maioria cheios de boas intenções, mas tão pressionados pelo sistema que se pensarem um pouco mais fora da caixinha, são atropelados pelo sistema e vencidos pela burocracia!
Pois não dava mais para confiar, meu horror a hospitais apenas aumentou, eu sei que existem alguns Hospitais no Sul/Sudeste que são exceções à regra, mas estavam fora de meu alcance. Então voltamos todos nossos esforços (e quê esforços!) em busca de um parto domiciliar assistido. 
Foi aí que contatei Lia, que veio a ser minha doula, mas que antes disso era minha amiga e teve um PD assistido por uma ótima equipe em Salvador. Ela me deu toda a força pra ir pra Salvador fazer meu PD com a equipe Sobreparto. Falou com a Tanila, uma das EOs da equipe que por sorte conseguiu uma vaga pra mim na agenda do período.


Parto Domiciliar em Salvador: uma nova saga longe de casa
Tenho família em Salvador; minha mãe, minha irmã, os irmãos do meu marido. Mas vou dizer: não é fácil estar longe de casa, não é fácil vencer os medos alheios. Grávida prestes a parir é que nem bicho, precisa de um canto tranquilo, de um ninho onde se sinta segura e longe de histórias tenebrosas... enfim, conseguimos nos aninhar no apê dos meus cunhados que estava bem mais próximo ao Hospital de apoio caso houvesse uma intercorrência qualquer durante o trabalho de parto.

37 semanas e finalmente estava tudo pronto pra ela vir: aninhados, quartinho limpo e arrumado, plano de parto pronto e enviado, material todo comprado, comida congelada, pre natal em dia, comida sem sal, tâmaras, cramberrys, evitando açucar...


O dia, o parto!
39 semanas e estava tentando não ficar ansiosa, minha maior ansiedade na verdade era voltar logo pra casa e que ela nascesse antes das férias do pai acabarem, pois ele teria que ir embora pra nossa cidade quando eu completasse 43 semanas (o que é perfeitamente possível).

Mas a Deusa, em sua infinita sabedoria, trouxe Diana ao mundo no momento perfeito.

Planejávamos acordar cedinho e ir nos despedir da praia, mas que nada! A preguiça falou mais alto. Umas 11:30 levantei da cama, agachei para apanhar umas roupas no chão e só vi "vazando" duas pocinhas rosadas: não havia dúvida! Bolsa rompeu. "Em caso de bolsa rota ligue pra gente imediatamente" disse Tanila, e foi isso que fiz. 

14h- Trabalho de parto latente: Minha doula chegou e eu estava com contrações espaçadas e sem dor. Até ensaiei fazer um bolo com ela, pra "esperar o trabalho de parto ativo", mas foi pegar os ingredientes e as cólicas mais fortes (aquelas que você tem que parar de fazer o que tá fazendo porque dói) começaram. Mas não ritmavam. Lia me sugeriu caminharmos um pouco para as contrações ritmarem; foi um santo remédio. Duas voltinhas no quarteirão e eu não conseguia dar mais um passo sem dor. Voltei e fui tomar um banho quente. Saí do banho com um sensação boa, de afinidade com a água e quis entrar na piscina. Ah piscina... tão sonhada piscina... antes achava que ia parir dentro dágua! Ali as dores intensificaram, comecei a vocalizar, porém  não consegui achar posição confortável. Começava o trabalho de parto (TP) ativo.



[à partir daqui os horários são aproximados, pois em TP ativo perdi a noção do tempo]

~16h- Trabalho de parto ativo: fui para o lado da cama mas não consegui me deitar ou sentar, a única posição que me sentia confortável era em pé ou de joelhos. As vogais da vocalização já começavam a se transformar em gritos guturais pois a dor se tornava cada vez mais intensa, definida e o intervalo entre as contrações mais curto. Era uma dor que vinha avisando segundos antes da sua chegada com uma sensação que percorria o corpo todo como ondas que logo tomavam conta de você e fazem força por você, algo que é incontrolável!
Eu já estava entrando na dita "partolândia" (que pra mim foi um estado de semi-consciência, quando o lado racional cede lugar para a consciência corporal mais sensível) quando Tanila, Lorena (parteiras enfermeiras obstétricas) e Liza (parteira obstetriz) chegaram com todo equipamento pra assistir o parto. Eu só consegui abrir um olho e esboçar um sorriso.
Logo me vi pendurada em meu companheiro que me segurava a cada contração que eu abaixava de dor e amparada pela minha doula atrás. Parênteses: tenham uma doula! É importante no pré, durante e pós parto. Paulo tentava fazer o melhor que ele podia, mas era Lia que conseguia aliviar as dores de cada contração com mãos certeiras. Acho que diminuia uns 40% na dor, era muito aliviante. Eu não abria os olhos mas sabia quem estava me fazendo massagem e pressão nos quadris durante as contrações. Quando era Paulo eu só conseguia gritar "Liiiiiaaaaaa" kkkkkkk
Mas o apoio do meu companheiro durante o TP é algo que não dá pra mensurar. Sem ele, eu não sei como seria, ou se seria.
A cada contração eu sentia que chegava mais perto. A dor ficava mais intensa, mais baixa, eu podia sentir minha neném se aproximando.



~17:40h- Expulsivo: quarto escuro, abafado, até um ventiladorzinho me incomodava. Eu via a equipe no chão em volta de mim com uma lanterninha, anotando, observando e de quando em quando auscutando a neném com minha permissão. Os intervalos entre as contrações pareciam durar menos de 1min. Nestes intervalos eu aproveitava para respirar, tomar uns goles dágua e recobrar as forças porque a próxima "onda" já estava chegando. Eu não sei dizer exatamente quando entrou na fase do expulsivo. Eu acho que foi quando eu urrava de dor a cada contração num gutural tão grave que minha garganta estava ardendo.
Eu sei que apesar da equipe não ter me dito claramente "em que fase" eu me encontrava (provavelmente para não criar ansiedade), eu sentia muito claramente a cabeça de Diana indo e voltando, cada vez mais "fora". Até que um momento eu senti aquele ardor e pensei "círculo de fogo" e gritei "arrrrdeee". Coitada... eu não sabia o que era o verdadeiro círculo de fogo, aquilo só foi um ensaio. Um pouco antes das últimas contrações eu pensei "caramba se doer mais que isso eu não vou aguentar". Eu não lembro o que eu só pensei e o que eu realmente falei pra todos que estavam presentes, mas lembro delas me incentivando dizendo "está mais perto" "Diana está aqui" "cada contração ela está mais perto"... e meu amor me abraçando e aguentando todo meu peso e murros que eu dava nas costas dele quando doía muito.
Até que veio uma contração tão forte e longa e no final aquele ardor de pimenta do demônio multiplicado por 1000 e eu só consegui gritar "socorro".


18:48h Nasceu! Mais uma contração dessa, sem pensar levantei a perna direita e a cabeça saiu!!! Eu estava de quatro, uns poucos maravilhosos segundos de alívio da dor e na próxima contração saiu o corpinho com um pouco menos de dor e ardor.
Eu olhei pra trás e vi aquele serzinho todo coberto de vérnix, toda esticadinha abrindo o berreiro. Mas a única coisa que eu sentia naquele momento foi a sensação maravilhosa de alívio da dor.

Me ajudaram a sentar no chão, eu sentia o cordão passando pelo canal vaginal, sentia que era mesmo curto. Me deram aquele corpinho molinho e quentinho e eu me lembro de ter falado palavras de aconchego a ela, era como se eu tivesse nascido para falar aquelas palavras! E cantei a nossa canção.
Esperaram o cordão parar de pulsar e foi feito clampeamento. Paulo ajudou a cortar! Lorena fez uma massagem na minha barriga e em questão de minutos pari a nossa querida placenta.


Daí pra frente foi só alegria! Me ajudaram a sentar na cama, colocaram-na no meu colo, tivemos nossa "hora dourada": dei de mamar (não sei como consegui essa proeza no momento) pesaram, mediram, aquelas coisas todas junto de mim, apgar 10/10, zero laceração (como diz Tanila, "lavou tá nova" kkkkk)...


Soubemos parir e nascer, eu e minha menina, com todo carinho e apoio de uma equipe maravilhosa, de minha amiga e doula incrível e do companheiro da minha vida, inestimável.

PS.1.: a dor é amiga, ela te faz entrar no estado de consciência necessário pra fazer nascer
PS.2.: foi tudo acontecendo tão rápido que um monte de coisas que planejei não saíram como eu imaginei (playlist de músicas, tocar tambor xamânico, aromaterapia, muitas luz de velas espalhadas pelo quarto...) E que bom que foi assim!
PS.3.: confiar no corpo é essencial. Várias vezes no expulsivo eu senti a tentação de fazer uma "forcinha" a mais pra acabar logo com aquilo. Mas aí eu lembrava dos relatos e de tudo que estudei e com medo de ter laceração, deixei o corpo trabalhar sozinho, deixei Diana ir e voltar quantas vezes ela quisesse. E deu super certo!
PS.4.: Não levei o exame de toque nenhum momento. Pari sem saber quando e quanto dilatei. Isso foi muito bom pra mim!
PS.5.: uma mulher parindo é um ser muito sugestionável. Entre as contrações eu perguntei sobre os vizinhos e o barulho. Meu marido brincou dizendo que estavam fazendo uma reunião de condomínio sobre isso... e eu acreditei! Ainda bem que não me deixei noiar. Em compensação, depois que nasceu, eu estava tão cheia de ocitocina que me tornei outra pessoa: a pessoa mais tolerante de boas do universo. rsrs
PS.6.: as fotos do parto foram tiradas informalmente por minha doula que fez seus malabarismos para não deixar passar em branco. Obrigada mais uma vez pelos preciosos registros!

Sinto uma imensa admiração e gratidão à equipe do Sobreparto que cuidou de nós, especialmente a figura da EO Tanila que esteve conosco todo o tempo desde o primeiro contato pelo whatsapp ainda em nossa cidade. É bonito de ver pessoas fazendo bem aquilo que amam fazer.
Também não tenho palavras para agradecer a minha amiga, doula e fotógrafa Lia, foi e ainda é nessa difícil fase de amamentação e adaptação, meu chão, minha referência, meu ombro amigo.
Minha família; mãe, irmã, cunhados, sogra, sogro, tias... todos tão dispostos a nos ajudarem, cada um dando o seu melhor.
E nunca me cansarei de dizer que me sinto a mulher mais sortuda do mundo por ter um companheiro e pai de minha filha como o que eu tenho.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Mãe, ou Guerreira? {parto natural} {parto humanizado} {violência obstétrica}


Eu queria aproveitar que está em alta falar do Sagrado Feminino e dos "arquétipos" pra poder falar sobre parir em nossa sociedade.

Vou tentar ser breve, mas é difícil em um tema como este.

Tenho passado por este processo de gravidez descobrindo todo um mundo novo; um mundo de amores e horrores, estes últimos causados pela opressão do ser feminino em nossa sociedade e pela grande desconexão com o nosso próprio corpo, ou com nossa "natureza".

Em grupos sobre o tema do parto humanizado* ou em conversas com amigos simpatizantes do tema é muito comum ouvir a expressão "poxa, fulana foi guerreira", depois da fulana ter relatado as violências obstétricas** que sofreu durante seu parto.

Vamos sublinhar e analisar essa palavra, GUERREIRA, que não é uma simples palavra, carrega todo um peso de significado, sentimento e acaba perpetuando certos equívocos que cometemos sem nos dar conta.

Eu imagino que quando alguém diz que a mulher foi guerreira, ela está, na maior das boas intenções, parabenizando a mulher por ter aguentado passar por um processo de violência e ter sobrevivido, parece lógico, não é mesmo?

Eu tenho a forte impressão de que isso levanta a autoestima da mulher e até a conforta, diante de uma dura lembrança de violência sofrida, nada mais natural... porém tenho a impressão também que essa expressão, "guerreira, lutadora, sangue nos olho" e similares, dá um certo status para a mulher que passou por uma violência dessas e acaba naturalizando a coisa. É como se a vida fosse dura mesmo e precisamos ser guerreiras.

E se eu dissesse que NÃO, que nem sempre precisa ser assim, e em certos casos é inadequado ver a "superação pela luta" como algo positivo?

Por exemplo: alguém diz que uma mulher que sofreu estupro foi guerreira porque sobreviveu à esta terrível experiência? É estranho dizer isso, né? Soa mal. Então, pq não soa mal também quando estamos falando de uma mulher que sofreu outro tipo de violência, como a obstétrica? Longe de mim tirar o mérito de uma mulher que despertou sua guerreira para conseguir sobreviver à experiência de violência obstétrica... mas quem é violentada, é vítima, estão captando o x da questão?

Fomos acostumados pelo senso comum, filmes de hollywood, novelas, etc, a olhar o momento do parto como uma verdadeira guerra, afinal, o parto evoca muitas símbolos relacionados ao nosso lado bélico: grito, dor, força, ação, sangue, quase um combate entre a mãe, bebê e entorno. 

Muito pelo contrário: o parto é uma colaboração da mãe e do bebê, por um só objetivo: a vida. Pode ter grito, pode ter força, dor e sangue, com certeza, mas são de outra natureza: são da natureza do amor e não do ódio, pois mesmo a dor, no parto, é uma dor "de vida" e não "de morte", como muito bem definiram algumas mulheres nos grupos de discussão. 

Algo muito importante precisa ser compreendido: o parto é momento de entrega. A mãe precisa relaxar, fluir, confiar, entregar-se àquela experiência que transcende sua condição ordinária. Não é momento para pegar em armas, escudo, ira e despertar sua guerreira contra aqueles que deveriam estar acolhendo-a nesse momento tão precioso, mas ao invés disso, estão colocando ela e seu bebê em risco. A mãe pode e deverá ser guerreira em vários momentos de sua maternagem, mas no parto, não!

Este é um momento único, onde  estes dois arquétipos, da mãe e da guerreira são incompatíveis.

Não era pra ser assim, mas infelizmente, em nossa sociedade, são poucas as mulheres as quais é permitido vivenciarem seu parto plenas, como mães, e só. E dessas milhares que sofrem violência todos os dias nos hospitais, nem todas conseguem ser "guerreiras" e acabam por sofrer violências maiores (pois uma intervenção desnecessária -- logo violenta -- leva a outras), e muitas morrem ou tem seu bebê morto.

A mulher ao sofrer violência obstétrica ou qualquer outro tipo de violência, foi vítima, não há nada de bom nisso, nenhum lado bom, então vamos tomar cuidado ao enaltecer essa situação com expressões como "guerreira", por mais que nossa intenção seja a mais nobre. Parece uma palavra boba, mas não é. A mulher que foi vítima vai se curar, vai lamber as feridas, vai precisar de ajuda, podemos ajudá-la de mil outras formas, inclusive despertando a consciência geral de que violência obstétrica é inaceitável  e não há nada que amenize isso.


*parto humanizado: Uma importante questão a ser esclarecida é que o termo "Parto Humanizado" não pode ser entendido como um "tipo de parto", onde alguns detalhes externos o definem como tal, como o uso da água ou a posição, a intensidade da luz, a presença do acompanhante ou qualquer outra variável. A Humanização do parto é um processo e não um produto que nos é entregue pronto. (fonte: http://www.despertardoparto.com.br/o-que-e-parto-humanizado.html )

**violência obstétrica: No mundo inteiro, muitas mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos
durante o parto nas instituições de saúde. Tal tratamento não apenas viola os
direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à
vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação (fonte: Declaração da OMS)




terça-feira, 2 de maio de 2017

{xamanismo} Roda de Medicina Sul-americana

declaro não ter a propriedade desta imagem

Este será um primeiro ensaio sobre meus estudos e minha experiência com a Roda de Medicina Xamânica sul-americana, ou do hemisfério Sul.

Talvez eu devesse começar explicando a Roda de Medicina Xamânica do Hemisfério Norte, a mais seguida entre os xamãs urbanos e praticantes do neoxamanismo. Porém, há tanto material, até mesmo na internet, sobre este tema que deixo para vocês pesquisarem.
Começo então contextualizando brevemente para quem não conhece muito sobre o Xamanismo ou Neoxamanismo:

A Roda é um caminho sagrado e cíclico, uma simbolismo ancestral do Macro e do Microcosmos, um espelho. Quando experienciamos a Roda de Medicina, estamos trilhando o caminho da auto-cura e da iluminação, um caminho sem começo e sem fim. Cada direção da Roda oferece um ensinamento, uma cura, uma experiência de vida, que geralmente estão ligadas a um mestre animal, vegetal ou mineral. 

Muitos outros povos ancestrais de todos os continentes, trabalham e honram as quatro direções. Porém, até mesmo pela característica de meu caminho espiritual, no qual procuro trabalhar o mais próxima possível das energias desta terra, busquei vivenciar a Roda dos Quatro Ventos adaptada ao Hemisfério Sul.

Há muito pouco material sobre o assunto (aliás a história ancestral do Hemisfério Sul é um mistério que poucos estudiosos quiseram desvendar), e é possível que você encontre outras pessoas com opiniões divergentes de como trabalhar a Roda de Medicina Sul -- tudo bem, esta é minha experiência e meu aprendizado está em constante evolução.

Como já comentei, a Roda é um caminho cíclico. O buscador inicia sua jornada como uma criança até alcançar a iluminação em seu propósito espiritual e assim retorna novamente ao início.

declaro não ter a propriedade desta imagem


A Roda gira no sentido horário, sentido do tempo natural das coisas, sentido da jornada do Sol, da Lua e das Estrelas. Cada uma das direções é uma etapa do aprendizado. 

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Inicio a jornada pela direção SUL, a direção fria, onde o Sol mal toca, a direção da escuridão, da morte/renascimento, o domínio das almas, o entremundos. É a direção associada ao caminho do curador. Nessa direção ainda sou uma criança, prestes a me libertar das amarras do passado, aprendendo a andar, um passo após o outro. Aqui é o domínio da serpente, da "Cobra Grande", que nos ensina que para crescermos e seguirmos em frente é necessário deixar a antiga pele para trás. A Cobra Grande, esta guardiã protetora, firme e maternal (a mãe provedora, mas não desperte sua fúria!) nos envolve com seu abraço aconchegante enquanto precisarmos e nos sentirmos inseguros, mas quando for a hora ela nos deixará caminhar sozinhos e viver o aqui-agora de forma plena.
*Palavras-chave: renascimento, transmutação, inícios, cura, passado, presente.
*Superar: enfermidade
*Desenvolver: vitalidade
*Chakra: básico
*Elemento: terra água (atualizado em 11/2023)
*Instrumento: tambor pau de chuva, udu (atualizado em 11/2023)

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Caminhando em direção ao OESTE, ainda sou apenas uma jovem alma curiosa, encantada com os mistérios do oculto, do que eu não posso ver, que temporalmente, chamamos de "futuro". O desconhecido é temido pelo ser humano ordinário. Mas o buscador não deve temer, pois esta direção está ligada ao caminho do guerreiro. Assim, nos vem prestar seus ensinamentos a Mestra Onça, guardiã misteriosa das florestas e matas densas, senhora da noite. A Onça nos ensina a acreditar em nosso poder intuitivo, a não deixar o medo dominar nossas ações. Ela ensina o caminho do/a guerreiro/a. 
*Palavras-chave: sensualidade, força, coragem, proteção, disciplina, medos, introspecção, clarividência.
*Superar: medo, covardia.
*Desenvolver: proteção, liderança, motivação.
*Chakra: sexual e plexo solar
*Elemento: terra
*Instrumento: tambor


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Após atravessar a floresta da Onça Pintada nos deparamos com o NORTE, que para nós no hemisfério Sul é o local do fogo do Sol, quente e iluminado por excelência. O fogo é a chama da existência, a alma que arde no coração do universo. O fogo há muito é considerado o símbolo do conhecimento, pois sem ele o ser humano não teria se desenvolvido tal qual. Esta direção está ligada ao caminho do mestre. Aqui adentramos o domínio da nossa ancestralidade, toda carga de conhecimento que carregamos em nossas partículas e estamos prestes a descobrir, com o auxílio do Mestre Beija-Flor, o mediador entre-mundos, o sopro do Grande Espírito, aquele que dissemina o Amor Universal. Porém o pequeno-grande guardião do fogo sagrado apenas iluminará aqueles corações preparados para superar seus próprios egos e vícios.
*Palavras-chave: amor, amor incondicional, sabedoria, conhecimento, ensinamento, ancestralidade, altruísmo.
*Superar: arrogância, orgulho.
*Desenvolver: humildade, virtude, paciência.
*Chakra: cardíaco e laríngeo
*Elemento: fogo
*Instrumento: maracá, violão.

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Finalmente, alcançamos o berço do Sol, o LESTE, de onde chega toda inspiração. É aqui onde entramos nos domínios da compreensão de uma forma holística, nem racional, nem irracional, mas total. Esta direção está ligada ao caminho do visionário. Com o auxílio do Guardião Alado, o Gavião, o mensageiro dos Deuses, aquele que viaja entre o Céu e a Terra trazendo as boas novas, iremos aprender a enxergar além, ou como alguns diriam hoje, "fora da caixinha". O Gavião nos ensina a criar asas e voar em busca da compreensão espiritual e, lá das nuvens, ver nossas conquistas, nosso percusso e também o longo e infinito caminho que ainda temos a trilhar em busca da sabedoria do Grande Espírito, a qual apenas alcançaremos com o Amor Verdadeiro.
*Palavras-chave: aprendizado, visão, iluminação espiritual, insight, mensageiro, liberdade, verdade, inspiração.
*Superar: ignorância, apego.
*Desenvolver: luz interior, visão, conexão.
*Chakra: frontal e coronário
*Elemento: ar
*Instrumento: flauta.

Ainda temos mais três direções a serem honradas:  


ACIMA, onde habita o Pai Céu, as forças celestes, de onde emana o princípio masculino em nosso mundo; onde moram a Avó Lua e o Avô Sol.

ABAIXO, representada pela Mãe Terra, nossa nutridora, nosso templo e nossa casa, de onde emanam as energias telúricas e o princípio feminino em nosso mundo.

CENTRO, o eixo, o Universo dentro de nós, o Grande Espírito. 

  
A Roda de Medicina xamânica, seja que sistema você preferir, pode ser vivenciada infinitas vezes e em diversas ocasiões ritualísticas. Costumo trabalhar com ela nas celebrações do Círculo do Sagrado Feminino, invocando os Guardiões dos 4 Ventos e pedindo seu auxílio e proteção nos trabalhos espirituais realizados. Pouco a pouco vou tomando um contato mais profundo com cada direção. Esse é um conhecimento que não ocorre do dia para noite e dificilmente você vai encontrar em livros, pois cada vivência é pessoal e requer muita prática e respeito aos espíritos guardiões.

Porém com vontade e determinação, qualquer pessoa pode entrar em contato com essa sabedoria, ou essa "medicina". 

~bons ventos~

Anajé.

terça-feira, 11 de abril de 2017

{Magia do Mar} Marés Grandes - Marés Vivas Equinociais

fonte: g1.globo.com

Como você já deve saber, a força e movimento das marés influencia nossa vida e nossa força mágica.

Há alguns eventos astronômicos que influenciam as marés, como o as fases da lua (interação entre os movimentos solar e lunar), a distância da Lua à Terra (perigeu/apogeu) as estações do ano e condições climatológicas.

Dessas e outras numerosas combinações, teremos as duas marés mais fortes do ano, que acontecem durante a Lua Negra (alguns chamam de Lua Nova) mais próximas dos dias dos Equinócios, de outono, ou de primavera.

O que quer dizer em termos mundanos uma "maré forte"? Significa que o coeficiente (diferença) entre o avanço e o recuo da água do mar será muito alto nesses dois dias, pois a combinação da força de atração gravitacional do Sol e da Lua sobre as águas terrenas estará em seu ápice.

Isso porque além do Sol e da Lua estarem em conjunção (Lua Nova/ Negra - Maré Viva), no período de Equinócio o Sol está 90o à linha do Equador, provocado atração mais intensa.

E magicamente, o que poderá significar? Bem, usando a lógica, se trabalhamos com a força das marés para alcançar nossos intuitos mágicos, quanto mais incisiva esta força for, mais intenso será nosso resultado.

Por ex.: se você quer fazer "aquele" ritual de banimento, ou de morte/renascimento, você escolherá uma das duas Marés Grandes do ano, em uma das duas Luas Negras próximas aos Equinócios, de preferência durante a vazante. No caso, nesses mesmos dois momentos, a maré cheia trará poderosa força revigorante. São ótimos momentos para rituais de iniciação e passagem.

Aqui um vídeo educativo sobre o assunto (da parte científica):



É claro, devido ao grande grau de complexidade das variantes envolvidas, haverá "marés grandes" maiores que outras, e talvez você não presencie em toda sua existência a maior maré de algum grande ciclo astronômico, mas prestando atenção você poderá identificar a maior maré do ano... acho que já dá pra ficar feliz né! rs

Enfim, aqui falei bem pouco da complexidade que na verdade é o cículo das marés. Deixo aqui uma citação para abrir a discussão e atiçar a curiosidade de todos vocês, bruxas e bruxos do mar:

"Como facilmente se pode deduzir do exposto, a maré é um fenómeno complexo com elevado número de variáveis. As marés com maior amplitude ocorrem quando a Lua está em perigeu e em sizígia e, simultaneamente, a Terra está em periélio e a declinação é zero tanto no que se refere à Lua como ao Sol. Esta coincidência não é frequente, ocorrendo aproximadamente de 1600 em 1600 anos, acontecendo a próxima por volta do ano 3 300. 

Quando se considera o longo prazo a complexidade da maré é ainda maior devido aos vários movimentos astronómicos, designadamente o ciclo nodal da Lua (18,6 anos), o movimento de precessão da Lua (8 850 anos), a excentricidade da órbita terrestre (413 mil anos), a precessão dos equinócios (26 mil anos), a obliquidade do eixo de rotação da Terra (41 mil anos).

A dinâmica da deslocação da maré é ainda fortemente condicionada pela disposição dos continentes, pela configuração da batimetria e por muitos outros factores." (fonte: http://www.aprh.pt/rgci/glossario/mare.html )


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

{resposta} "O SAGRADO FEMININO: OLHANDO PRA ALÉM DO PRÓPRIO ÚTERO"


Achei muito interessante os questionamentos no "Blogueiras Negras" sobre o movimento do "Resgate do Sagrado Feminino" (RSF), aposto que são os mesmos questionamentos de muitas pessoas, inclusive, no mesmo dia recebi três mensagens de mulheres diferentes à respeito d artigo: http://blogueirasnegras.org/2017/01/31/o-sagrado-feminino-olhando-pra-alem-do-proprio-utero/

Ensaio responder cada um desses questionamentos, na minha visão de mundo (sublinho que não pretendo representar a visão das mulheres envolvidas com os trabalhos do RSF). Percebo que a autora do texto tem suas próprias convicções sobre a polêmica, porém discordo de algumas e explicarei o porquê.

- Sobre a biologização do corpo no sagrado feminino: não é apenas corpos de genótipo "XX" que podem vivenciar o sagrado feminino. O que ocorre, é que as técnicas e práticas utilizadas atualmente nas ditas "rodas de mulheres" tem uma origem que retorna até os períodos Paleolíticos e Neolíticos, passando por outras culturas da Idade Antiga, especialmente as culturas greco-romanas, orientais (especialmente indianas) e de alguns povos nativo-americanos. Logo precisamos situar historicamente essas práticas, entendendo que em muitas dessas sociedades, o gênero feminino correspondia ao sexo feminino, e o gênero masculino correspondia ao sexo masculino, sem variações. Havia também uma forte divisão sexual do trabalho, o que responde a outra indagação, sobre a "essencialização" das características femininas, como "cuidadora", "maternal", etc. Aqui tenho dúvidas se a blogueira conhece as faces do sagrado feminino, pois a "Mãe" é apenas uma das 3... ou 9... ou até 13 faces. E ainda, se conhece profundamente o que significa a face da Mãe (que não se refere apenas a maternidade).

-Sobre a menstruação: os trabalhos dentro dos círculos de mulheres com a menstruação se restringe ao sangue, seus poderes e seu ciclo. Sobre coletor menstrual e absorventes de pano, é algo auxiliar e nunca foi e nunca será parte dos mistérios do sangue. Faz uso dessas formas de higiene quem quer fazer, e ninguém é obrigada. Agora, o que tentamos conscientizar as mulheres que buscam um auto-conhecimento e um caminho de respeito à Natureza (que é vista por nós como Sagrada), é que parem de usar absorventes descartáveis para diminuir a destruição do corpo de "Gaya" (basicamente isso). Mas novamente, ninguém é "obrigada" e ninguém é menos mulher por usar absorvente descartável.

-Achei curioso a autora se referir à "tenda vermelha" com ironia. O que ela diria sobre os 21 dias de reclusão da/o iaô no Candomblé? É exclusão social também? Gostaria de saber a opinião dela. E mais uma vez, ninguém é obrigada, cada uma faz aquilo que está ao seu alcance, e ninguém precisa deixar de trabalhar o sagrado feminino dentro de si porque tem uma jornada de "30h por dia".

-Antes de terminar a parte divergente, gostaria de me aprofundar um pouco mais na questão das mulheres de outras corporalidades e até mesmo nos homens dentro do trabalho de Resgate do Sagrado Feminino:

Acreditamos que todos os seres (humanos, animais, plantas, pedras, etc) possuem o feminino e o masculino em si. Pois o masculino e o feminino são apenas polaridades energéticas contrárias e complementares, assim como o Yin e o Yang.

Visto isso, uma mulher trans, uma mulher homoafetiva, um homem, enfim... todos os tipos de gênero e orientações sexuais carregam em si as duas polaridades que funcionam em um equilíbrio dinâmico. E aqui eu abro um parêntese sobre equilíbrio dinâmico para entender algo mais à frente: equilíbrio não quer dizer 50% uma coisa 50% outra... quer que as duas energias estão sempre num movimento que TENDE ao equilíbrio. 

Mas...realmente! Por que será que estes círculos são geralmente exclusivos para mulheres nascidas mulheres?

Não posso responder por todas, mas acredito que, como crianças, estamos reaprendendo a desenvolver uma consciência que perdemos. E qual é o caminho mais direto e mais fácil de se fazer isso? O CORPO. Não existe como negar a contribuição do corpo para nossa existência. A corporalidade é o mecanismo imediato de contato com o universo. 

Logo, a maneira CORPORAL de trabalhar o RSF vai ser diferente em cada um desses diferentes corpos. E não apenas: é diferente em cada pessoa, mesmo que sejam duas irmãs gêmeas. A mulher tem um corpo diferente do homem, que tem um corpo diferente dos homens e mulheres trans, que tem um corpo diferente de uma menina que ainda não menstruou, que tem um corpo diferente das pessoas hermafroditas... enfim, não existe apenas duas corporalidades, existem diversas... e cada uma delas é um mecanismo diferente de receptividade do universo.

Então 1o ponto que precisa ser entendido: a experiência corporal é importante no resgate do sagrado feminino e cada tipo de corpo (com utero, sem utero, com utero não funcional, com utero e pênis.. enfim) deve ser trabalhado de um jeito.

A partir daí, 2o ponto que precisa ser entendido: o resgate do sagrado feminino é um movimento espiritualista quase 100% baseado em tradições antiquíssimas, sociedades que não sabemos como realmente funcionavam, só temos pistas, e sabemos que havia uma forte divisão sexual do trabalho: homens eram caçadores e guerreiros, e mulheres coletavam e plantavam e cuidavam das crias. Basicamente isso. Os papéis sociais neste tipo de sociedade eram muito mais simplificados, não tinha-se a gama identitária que se tem hoje.

Daí que está: nos círculos de mulheres da sociedade contemporânea, estamos pegando um "quadrado" e tentando encaixar num "círculo". Ok, o quadrado cabe no círculo, mas vão sobrar arestas, e nós temos que aparar essas arestas. Mas os antigos não nos ensinaram isso, nós temos que aprender sozinhos, captar a "alma" da coisa e fazer adaptações e invenções. 

Traduzindo:
Homens e mulheres trans não tem útero, obviamente não poderão trabalhar os mistérios do sangue menstrual. Eles e elas tem menos feminino dentro de si por causa disso? NÃO! Feminino, como eu disse, é uma energia, não corresponde obrigatoriamente a sexo ou gênero.

Mas a mulher é, ARQUETIPICAMENTE, a REPRESENTAÇÃO da energia feminina (presta atenção nas palavras em caixa alta). Isso não significa que ela CORRESPONDA a isso, nem significa que haja EXCLUSÃO das outras identidades de gênero.

Mas deixa eu contar uma coisa para vocês: não é todo mundo que está disposto, ou melhor, disposta, a se aventurar nessa diversidade de identidade de gênero. Eu mesma, no começo, não estava. É muito mais fácil juntar um monte de mulheres com úteros (funcionais ou não) e repetir o que se faz há mais de milênios. É uma receita que a gente já sabe que dá certo. Mas também não faz sentido ignorar o que existe hoje. O mundo é composto de outra forma, com outras corporalidades... e já que o RSF se empenha tanto em mudar o mundo, é necessário que ele próprio mude também... ou pelo menos se atualize. E né fácil não! Por ex.: como trabalhar com a influência da lua sobre os ciclos femininos com homens ou trans? Eu não sei, ainda estou descobrindo. E acho importante descobrir. Essa descoberta definitivamente não está nos livros. Vamos ter que fazer isso ao vivo e a cores, juntos e precisaremos muito dos/das "pessoas-que-não-são-mulheres-com-útero" para isso.

Agora para não dizer que sou "do contra" rs... eu concordo que o sistema universal de saúde deveria ser mais justo socialmente e oferecer um serviço de qualidade às mulheres em situação de vulnerabilidade. Não é justo que apenas as mulheres com acesso ao serviço particular possam escolher o parto natural.

Também não posso negar a perigosa mercantilização do Sagrado Feminino por alguns grupos (vide Mandala da Prosperidade) e também o "branqueamento" dos círculos do RSF. Isso é algo que deve ser amplamente discutido e devemos buscar soluções de forma horizontal. Devemos procurar saber: por que há menos negros e negras participando desses grupos, por que há menos pessoas de classes sociais menos abastadas participando desses grupos?

Cordialmente,

Luiza - Anajé.










Um pouco sobre mim: Anajé, pagã piaga, bruxa, antropóloga, aprendiz de permacultora, tem orgulho do sangue tupi em suas veias, co-administradora da loja Magia de Quintal, uma das condutoras do Círculo das Marés - círculo misto de resgate do sagrado feminino em Parnaíba-PI.

sábado, 31 de dezembro de 2016

Calendário Lunar 2017 ~ Meio-Norte

Nesta postagem anterior, falei um pouco sobre as origens e como é utilizado o calendário Lunar. Agora atualizo para vocês os ciclos do calendário lunar no ano de 2017 (que começa já dentro da Lua da Promessa):


30/Dez~28/Jan: Lua da Promessa, Lua do Cajueiro, Lua do Renascimento ou Lua Escura: a humidade aumenta, e aos primeiros sinais de chuva a natureza se faz exuberante. Época de frutificação dos cajueiros. Bom tempo para planejar ações a longo prazo.

29/Jan~27/Fev:  Lua da invernada, ou Lua Quieta: Início das chuvas; limpeza e preparo da terra para plantio. Bom momento para rituais de purificação do lar.

28/Fev~28/Mar:  Lua do rio cheio, ou Lua da Semeadura: chuvas mais intensas, início do plantio na terra fértil. Bom momento para compartilhar ideias, sonhos e pensamentos.

29/Mar~26/Abr: Lua das flores ou Lua da tempestade ou Lua das Libéluas: chuvas intensas; desabrochar das floradas; maior maré do ano na Lua Negra mais próxima ao Equinócio**. Momento de grande força, bom para focar energia em projetos pessoais.

27/Abr~26/Mai: Lua Verde ou Lua da Primeira Colheita, ou Lua da Vagem: chuvas continuam, terra se encontra fértil, ocorrem as primeiras colheitas (milho e feijão).

27/Mai~24/Jun: Lua da Benção ou Lua da Fertilidade: colheitas e reprodução de animais; fartura. Bom momento para investimentos pessoais.

25/Jun~23/Jul: Lua do Milho ou Lua Amarela: Transição para a fase de seca. Aquecimento, celebração (festas juninas)

24/Jul~22/Ago: Lua da Gratidão ou Lua da Colheita: últimas colheitas, armazenamento de alimentos, os ventos aumentam. Momento de agradecer as dádivas e preparar-se para um longo período de contenção.

23/Ago~20/Set: Lua dos Ventos ou Lua Clara, ou ainda, Lua da Carnaúba: mês extremamente seco, de ventos fortes, cautela e contenção de energias.

21/Set~20/Out: Lua do Babaçu  ou Lua Marrom: seca, com chuvas isoladas. Mês bom para construção, mas ruim para plantio. A árvore Babaçu frutifica como um milagre no meio da escassez. Momento de encontrar força através das adversidades.

21/Out~19/Nov: Lua dos Ancestrais ou Lua Azul, ou ainda, Lua dos Mortos: a seca continua a castigar a terra, a natureza está recolhida. Tempo de parar e rever as ações, momento propício para honrar os ancestrais e contactar os espíritos.

20/Nov~18/Dez: Lua Seca, Lua de Sangue, Lua da Mandioca: seca intensa, natureza contida. Árvores sem folhas dominam a paisagem. Última safra de mandioca. Período de se livrar daquilo que pesa e dificulta a jornada. Energia concentrada em raízes e troncos.

19/Dez~16(?)/Jan: Lua Cinzenta, Lua do Pequi ou Lua da Transição: A seca diminui, o calor continua intenso. Época de frutificação do pequizeiro.




**O dia da "Maré Grande" pode mudar de mês lunar de um ano a outro, a depender do dia em que cai o Equinócio de Primavera. Neste ano de 2017 a Lua Negra mais próxima do Equinócio de Primavera se deu em 28 de março durante o mês da Lua do Rio Cheio.